De vez em quando, aparece na internet um texto sobre a importância de se fazer listas. O site da BBC Brasil, por exemplo, publicou uma matéria com sete razões pelas quais fazer listas pode mudar sua vida, entre elas as de que listas podem torná-lo mais bem-sucedido, ajudam a economizar, a manter o foco e a prevenir erros. A essas razões, podemos juntar: listas podem salvar vidas. Segundo o Dr. Omar Asdrúbal Mejía, cirurgião cardiovascular e diretor associado da Unidade Cirúrgica de Qualidade e Segurança do O Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, um estudo um estudo comprovou que a aplicação de um ckecklist em todos os tipos de cirurgia pode diminuir a mortalidade em até 45%. Na palestra “Segurança do Paciente Cirúrgico”, no 8º AnestEdu,
o Dr. Mejía contou que o estudo, A Surgical Safety Checklist to Reduce Morbidity and Mortality in a Global Population [Checklist de Segurança Cirúrgica para Reduzir a Morbidade e a Mortalidade em uma População Global], realizado em mais de oitocentos centros de saúde de várias regiões no mundo – desde a Tanzânia rural até Seattle, nos Estados Unidos –, aplicou um instrumento complexo usado na aviação: “O impacto foi gigante. Com a aplicação do checklist em todos os tipos de cirurgia, a mortalidade caiu quase 45%. Não há nada, atualmente, nenhuma medicação, que traga esse resultado. É a aplicação de um sistema que faz medições e evita que o fator humano influencie o resultado”.
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Ele falou de alguns modelos de checklist. Em um deles, há 28 itens a serem aplicados antes da indução anestésica, da incisão cirúrgica e de o paciente ser retirado do centro cirúrgico. É uma verificação que pode ser feita em dois minutos e nela, por exemplo, o antibiótico é administrado até meia-hora ou uma hora antes do procedimento. Com isso, a taxa de infecção cai 50%, o que é importantíssimo, dado que 2 milhões de pessoas por ano podem ter infecções adquiridas, resultando em uma taxa de mortalidade alta.
O Dr. Mejía adverte, no entanto, que é preciso ter organização, pois a aplicação dos checklists é muito complexa e não há checklist que funcione se não houver pausas: “‘Eu fiz o checklist! Ok, onde está? Tem que assinar.’ Não conseguimos ver o checklist, ele está no hospital, mas muitas vezes está no quadro na parede e ninguém sabe quando é aplicado”.
Checklist na aviação, trabalho em equipe e análise de dados na saúde
As comparações entre a saúde e a aviação sempre surgem quando o assunto é segurança. Para o Dr. Omar Mejía, o diferencial da aviação em relação à saúde é o uso eficiente da ferramenta de checklist e da habilidade não técnica de trabalhar em sistema e em equipe. Ele contou que fez uma prótese transfemural em uma paciente e ela lhe disse que queria se recuperar logo porque dali a uma semana iria viajar para ver a aurora boreal. O Dr. Mejía então lhe perguntou se ela sabia em que avião iria viajar, mas nem ela nem a filha, que a acompanhava, sabiam. “Essa é a sensação de segurança que a aviação proporciona. Eu vou viajar, simples assim!”
Segundo a Aviation Safety Network, organização holandesa que monitora acidentes aéreos no mundo, 2017 foi o ano mais seguro da história da aviação e registrou dez acidentes em linhas comerciais, com menos de cinquenta mortes. O mesmo ano, porém, segundo uma reportagem publicada em novembro de 2017, viu três pessoas morrerem a cada cinco minutos nos hospitais brasileiros por erros evitáveis. O que a aviação tem que a saúde não tem? “Eles têm tecnologia? Nós também temos. Eles têm treinamento? O cirurgião também. O que eles têm é chekclists! Eles checam, eles se autocriticam, sabem que são limitados”, declarou o Dr. Mejía.
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Para ele, muitos profissionais de saúde, médicos anestesistas, cirurgiões, não aderem ao checklist porque não estão inseridos em um sistema, não se sentem parte de uma equipe. Na formação para a Saúde, aprenderam que tinham de fazer tudo e ser ousados e corajosos para tratar o paciente. “Mas a ciência nos trouxe um grande problema: precisamos nos entender em sistema porque, do contrário, o custo é alto. Sem sistema, o desperdício aumenta. Precisamos entender que juntos podemos alcançar mais.”
Outra necessidade primordial é coletar e analisar dados. Por exemplo, segundo o Dr. Mejía, atualmente o número de eventos menores por cirurgia congênita do coração chega a quinze, e de eventos maiores é de dois ou três. Esses eventos são percebidos porque os profissionais são experientes, há preparo cognitivo dos cirurgiões que são treinados, dos médicos anestesistas, da equipe, mas “o que não é definido não pode ser medido. O que não pode ser medido, não pode ser melhorado. O que não pode ser melhorado, sempre irá se deteriorar”. Foi o guru da gestão Peter Drucker que disse algo semelhante, e é verdade. “Você não melhora processos se não tiver dados, é um círculo virtuoso. Se vai implantar uma iniciativa de qualidade, além de adaptá-la para seu hospital, você tem que medir para saber os resultados, pois todos influenciamos os resultados”, afirmou o Dr. Mejía.
Checklist evita erros e aumenta qualidade na saúde
O Dr. Omar Mejía contou também que quando começou a aprender sobre qualidade na saúde, em Boston, nos Estados Unidos, teve um professor que na primeira vez que entrou na sala de aula, disse: “Quem acha que não erra, pode sair, é parte do problema”.
“Todos erramos. Todos os dias. Só que a gente não aprende com o erro, a gente esconde o erro. Isso é cultural e precisa mudar”, disse o Dr. Mejía. E quando há erros, procura-se apontar culpados: “Na aviação, já compreenderam que quando ocorre um problema, a culpa não é de uma pessoa ou de uma área apenas, mas de um sistema.”
Para o cirurgião cardiovascular, a meta para quem trabalha em saúde é uma só: foco sobre o paciente, é preciso que todos os profissionais se empenhem em caminhar juntos em prol do paciente. O fator humano é vital, não há como focar apenas a técnica.
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“Precisamos focar as habilidades não técnicas”, disse o Dr. Mejía. Ele falou de dois volumes lançados pela Universidade de Aberdeen, na Escócia, trabalho da Dra. Rhona Flin e desenvolvido com auxílio de conceitos de segurança da aviação: Framework for Observing and Rating Anaesthetists’ Non-Technical Skills – Team Working, Task Management, Situation Awareness, Decision Making [Modelo para Observação e Avaliação das Habilidades Não Técnicas de Anestesistas – Trabalho em equipe, gerenciamento de tarefas, conscientização de situação, tomada de decisão] e The Non-Technical Skills for Surgeons (NOTSS) – Team Working, Task Management, Situation Awarness, Decision Makin – Structuring observation, rating and feedback of surgeons’n behaviours in the operating theater [Habilidades Não Técnicas para Cirurgiões (HNTC) – Trabalho em equipe, gerenciamento de tarefas, conscientização de situação, tomada de decisão – Modelo para Observação, Avaliação e Feedback do Comportamento de Cirurgiões em Centro Cirúrgico]. “Em saúde, ainda precisamos avançar muito no trabalho em equipe. Daqui para a frente, não poderemos apenas realizar, teremos que realizar com qualidade”, disse o Dr. Mejía.
Ele disse que a questão da qualidade na saúde não é nova, mas vem se desenvolvendo há muito tempo, e teve um de seus pioneiros em Boston, o Dr. Ernerst Amory Codman (1869 – 1940), fundador do hospital de desfechos finais. Foi quando nasceu também a Joint Commission. Desde então, ocorre uma cadeia evolutiva em que saímos da paralisia explicativa, no início do século 20, quando a qualidade na saúde era inexistente, passando pelo círculo vicioso entre início e meados e do século 20 (qualidade baixa), melhoria por problema entre meados do século 20 e década de 1990 (qualidade média), melhoria contínua entre a década de 1990 e o início do século 21, finalmente alcançando uma qualidade alta e chegando ao ponto em que nos encontramos, o de inovação, da pós-qualidade.
Para o Dr. Mejía, inovação não é só inventar algo que ninguém nunca viu: “Inovação é mudar o modelo, o resultado, diminuir custo, melhorar a qualidade, e Codman fez essa proposição de que a qualidade é melhor com custo baixo, o que parece uma coisa irreal, mas atualmente é o que mais se utiliza para melhorar processos em qualquer tipo de linha de pesquisa”, afirmou. “Qualidade é o aumento das possibilidades de alcançar os resultados desejados, e a segurança faz parte disso. Um hospital com qualidade se preocupa com segurança, se preocupa em analisar onde agir para evitar complicações.”